Gente simpática. Nada mais perigoso do que um cobarde a quem o medo aguça a perfídia. É frequente surgir aos nossos olhos como um indivíduo simpático, como um homem de bem.
Garrett e este miserável país. A casa onde morreu Almeida Garrett está em risco, por abandono e especulação. Somos um país de alarves, ainda atiramos lixo pela janela do carro, não temos civilização para respeitar a memória espiritual de quem foi enorme no seu tempo, apesar de todas as humaníssimas fraquezas. Somos um país de lepes, canalha de mão estendida a quem encheram os bolsos sem antes ensinarem a mastigar de boca fechada. O resultado é esta vileza. Demolir aquilo é como arrasar a casa de Dickens em Londres, onde ele só viveu escassos meses, mas está lá, para ser visitada; é como destruir a casa de Balzac em Paris, onde o homem viveu com um nome falso, e mesmo assim não se livrava dos credores, e também lá está. Mas é pior, muito pior para nós, periféricos, provincianos, tão atrasados que até envergonha. Eles, ingleses e franceses têm tanto, e tantas casas, de Dickens, de Balzac, de Thackeray, de Hugo, de... E nós temos tão pouco...
Piratas. A figura do Barba Ruiva exerceu sempre em mim um fascínio a que não foram alheios o traço de Victor Hubinon e a destreza narrativa do grande Jean-Michel Charlier. Apesar disso, o poder caricatural duma certa dupla Albert-René foi tal, que não consigo pegar num álbum de aventuras do comandante do «Falcão Negro» sem que me venha à memória aquela angustiosa interjeição: «Os gau!... Os gaugau!...»
Aforismo. Só os fortes têm a capacidade de ilusão. Aos fracos resta-lhes a vontade, nunca plenamente conseguida, de se iludirem.
José Tolentino Mendonça. A entrevista ao último JL mostra que um dos nossos maiores poetas é também um humanista, muito provavelmente um ser de excepção. Reconfortante.
John Bonham. Ouvir «Fool in the rain» outra vez, do último LP de originais dos Led Zeppelin. Conceder que a morte de Bonham teria de significar o fim daquele quarteto fantástico. Quando, em 1979, me preparava para começar a apreciá-los.
Escritório. e pareceu-me que não devia deixar para trás os sons e as imagens que me vão acompanhando registá-los é pagar o tributo que a mim próprio devo pelas escolhas que fiz oh, nada de excessivamente intenso, e muito menos de exclusivo, vereis, mas a minha vida seria outra se nunca ouvisse o tempo infindo que vai do ataque orquestral à entrada do piano no primeiro concerto de Brahms, Barbirolli e Barenboim, no caso, ou o coral sintetizado de Tony Banks em Selling England by the Pound, e toda diferente, não fora a leitura dos dois volumes da edição Castilho da Correspondência do Eça, entre o Estoril e o Cais do Sodré, ainda sem metro, e do Tintim (com m) no País do Ouro Negro, em velha tiragem da Flamboyant este o registo, entre um soneto de Antero e um solo de Jimmy Page o mais será escrever na areia
Ricardo António Alves
[nota de 2015: início com o primeiro post do meu blogue Abencerragem, faz hoje dez anos. Aqui vou armazenar quase tudo o que tenho escrito na blogosfera, preferencialmente sem imagens nem sons)