A condecoração. Como estive a ouvir o The Joshua Tree, lembrei-me da recente polemiqueta em torno da condecoração atribuída pelo PR aos U2. Pobre Sampaio melómano. Ao contrário da surdez notória dos que normalmente são investidos nestas magistraturas, ele distinguiu-se por distinguir grandes figuras da cena musical. Lembro-me, à primeira, do tenor e maestro Placido Domingo e do pianista Alfred Brendel. Suspeito de que o Presidente não será um apreciador por aí além do som destes fabulosos irlandeses, e que terá querido vincar, mais do que a música, a acção global de Bono Vox. Ainda assim: o significado de Portugal ter reconhecido o mérito destes músicos na luta contra as injustiças mundiais é de tal maneira nobre, que as discussões em torno das suas indumentárias só me fizeram sorrir. E, vamos lá admitir, para os U2 uma condecoração portuguesa (ou outra qualquer, concedamos) não passará disso mesmo: um simpático adereço. Só a música importa.
Portinari e os seus muitos Retirantes -- a miséria a beleza a tragédia.
Adágio. Um drama pessoal está sempre por detrás do mais aceitável que já escrevemos.
Nojo aos cães. De um lado, gente sem decoro, homos e heteros, um lumpen cultural disposto a vender-se à primeira lixeira televisiva que apareça, e dê mais. Do outro, escória social sem passado nem futuro. A enquadrar os cães, umas luminárias engravatadas, escumalha moral, normalmente medíocres ressentidos com a vida. A rosnar, uns patetas da acção. Como o que hoje vi no Telejornal, uma espécie de berbere a clamar contra as invasões dos estrangeiros...
A song before sunrise. Quando o jovem maestro Thomas Beecham resolveu trabalhar a música serena e aparentemente idílica do seu compatriota Delius, este, residente em França, era pouco conhecido dos melómanos britânicos, situação que seria alterada pelo futuro grande regente. Leio numa passagem do último secretário de Frederick Delius, Eric Fenby (citado num livreto da série «Great Recordings of the Century», A Voz do Dono), que o maestro se deixou impregnar pela poética do seu compositor de eleição, nunca o consultando por julgar que não carecia dos conselhos do criador. E parece que tinha razão ao tomar essa atitude de distanciamento: segundo Fenby, quando Delius ouvia a sua música executada em directo na rádio sob a batuta de Beecham, costumava dizer: «Perfect, Thomas, perfect».
Ratos e homens.
But if the while I think on thee, dear friend / All losses are restor'd, and sorrows end.
Simca 1000. Tenho para aí uns três anos, sinto-me sentado e mínimo no banco de trás do Simca 1000 da minha Avó Zé, uma das primeiras mulheres a conduzir no Estoril. Era dum tom azul-bebé a coincidir comigo, o primeiro neto.
Seara Vermelha. Estou a meio do livro. Leio o Jorge Amado desde a adolescência. Tenda dos Milagres, a deliciosa história de Pedro Archanjo, foi a obra que me introduziu no universo deste grande brasileiro. Hoje quase que lamento não ter a pureza dessa época em que me deixava envolver pela surpresa e pelo estupor que me instilava a crua realidade encerrada nos livros do autor de Jubiabá.
Pècus. Que estranhos mecanismos de outiva e que atropelos flagrantes à ortoépia levarão a minha filha mais nova, dois anos, a dizer pècus quando quer identificar insectos? Só se salvam as moscas. Aliás,môcass...
Wild thing. Ao ouvir um velho Best of dos Troggs, lembrei-me do título dum livro de ensaios, Obscuros e Marginados, que é o que me parece ser esta banda inglesa da década de sessenta, ainda hoje activa. (O autor desse volume, já desaparecido, foi João Palma-Ferreira, e não me parece que os rapazes o conheçam de nome.) Algo repetitivos, os Troggs deram, contudo, a sua contribuição para a música pop com temas como With a girl like you ou Wild thing, este com prestígio de cover por Jimi Hendrix. Por mim, fico electrizado com um violoncelo irreverente cujo arco desliza desde o princípio em Anyway that you want me. Inesquecível.